O Sussurro na Escuridão

Acordou no susto ao ouvir o mensageiro bater em sua porta, não era acostumada com visitas, nunca fora de interagir com os outros e nem de participar nas atividades do instituo. Talvez seja por isso que tenha sido escolhida para essa missão. Minna havia se registrado nela pelo motivo de acreditar que não seria escolhida, afinal em sua avaliação averiguaram que inteligência e destreza não eram muito bem o seu forte. Mas não havia mais desculpas para procrastinar, fora escolhida, agora era obrigada a arcar com sua tarefa. Vestiu-se rapidamente, trajando um grande vestido negro e carregando consigo sua montante, presa em suas costas.

Entrar na carruagem com uma arma tão grande era algo incomodante, mas felizmente da viagem só participaram ela e o cocheiro. Minna sentou-se em um banco e pós sua arma apoiada no outro, era uma cena um tanto quanto engraçada, um robô e uma espada dentro de uma carruajem. A Minna de antigamente provavelmente fantasiaria com conversas que poderia ter com uma espada magica, mas a que estava ali sentada já havia tido todas suas fantasias roubadas de si.

“Bairro nobre? Assassinatos aqui?” Pensou a menina, ela não havia lido muito bem a descrição da missão, simplesmente aplicou e esperou não ser chamada.

O cocheiro anunciou sua partida e a apressou dizendo que os investigadores estariam logo na cena do crime. Não era como se ela não quisesse acabar rapidamente com aquilo, mas ela não sabia como fazê-lo.

Encarou o corpo por alguns segundos e concluiu: Se trata de um oculto com garras… Ou alguém com uma arma que se assemelha a garras. Não teve muito o que fazer, então ela resolveu analisar as coisas, checando a a temperatura do corpo, a temperatura do sangue e as coisas que haviam a seu redor, procurando por qualquer coisa que pudesse ser uma dica como: Cabelos, pedaços de garra, marcas de luta ou até mesmo uma arma ensanguentada.

O odor do cadáver era terrível. Aquela era a primeira missão de fato de Minna e apesar de ter sido treinada para esse momento, ouvir falar de mortos em aulas e ver pessoalmente eram coisas completamente diferentes. O corpo estava extremamente frio e a carne esponjosa, na verdade, até mesmo um pouco molhada, o sangue exposto estava seco. O homem carregava um pingente com o símbolo da igreja local no pescoço, parece que o seu deus não pode salvá-lo naquele momento.

O peito aberto, no entanto, apresentava o fator mais curioso de todos: A falta de um coração. O órgão havia sido arrancado, e na verdade, o corte era quase cirúrgico, sem muitas dilacerações desnecessárias. Não havia qualquer sinal de garras ou pelos, ou qualquer outro fator que indicasse algo sobrenatural.

Minna teve sua análise interrompida pelo som de guardas se aproximando, estavam na rua de trás ainda, mas o silêncio da manhã era suficiente para permitir que ela os ouvisse, pelas vozes deduziu que três homens estavam prestes a cruzar a esquina.

Pelo estado do corpo pode constatar que o crime não era recente, havia acontecido pelo menos a algumas horas, infelizmente Minna não possuía conhecimento o suficiente para saber a partir de quanto tempo o corpo começava a inchar e decompor, é algo um tanto quanto inesperado de um golem cibernético, mas sua inteligência não é muito ampla.

Ao perceber a presença dos guardas, Minna simplesmente fingiu ser mais uma curiosa e fora a procura pela próxima vitima.

Os guardas viram alguém virar a esquina e tentaram segui-la através das ruas, mas o treinamento de Minna permitiu que ela despistasse-os sem mais problemas. Pessoas começavam a acordar de pouco em pouco e saíam de casa para seus trabalhos, lentamente o ar melancólico matutino tornou-se mais alegre e cheio de vozes conforme ela caminhava através da cidade. Crianças iam brincar na rua e mulheres lavavam o chão, carroças e cavalos tomaram a rua enquanto a neblina dispersava-se.

O lugar onde o segundo corpo se encontrava era em um distrito mais afastado: As docas. O odor de peixe tomou conta enquanto mercados começavam a se montar. Carroças cheias de pescados e criaturas marítimas eram levadas através das ruas.

A Cena do crime já havia sido interditada quando Minna se aproximou. Quatro guardas com cassetetes se dispunham nas entradas das ruas, interditando o local e impedindo a passagem da população. Ela podia ver o corpo dali de longe, mas não podia obter qualquer outro detalhe se não se aproximasse. Podia tentar convencê-los a deixarem que passasse, ou podia encontrar outro caminho: Haviam prédios comerciais envolta do cadáver, que encontrava-se deitado em uma viela.

Na calçada contrária dois guardas conversavam algo em voz alta e despreocupados.

- Ei, você viu o que aconteceu com aquele ali ?- O primeiro homem quis saber, era o mais gordo.

- Sim, sim – Disse o segundo, fumando um charuto - Parece que encontraram mais dois mortos hoje. A cidade está ficando louca – E saiu para terminar o charuto. O primeiro guarda ficou ali, de costas para Minna.

O corpo já havia sido rondado quando Minna chegou ao local, ela pode ouvir os guardas conversarem mas a informação não era o suficiente. Suas habilidades sociais não eram o suficiente para convencê-los.

Resolveu que andaria pela cidade, com o plano de comprar um bloco de notas e uma caneta, para que então pudesse se fingir de repórter e tentar olhar os corpos mais de perto.

Arranjou o bloquinho e uma caneta com certa facilidade, era uma área comercial e podia encontrar praticamente qualquer coisa que desejasse ali sem muitos problemas. O guarda que estava no caminho acenou a cabeça para que ela entrasse quando a moça se aproximou com os objetos em mão – Estão chegando cedo, hein? – Ele comentou, tossindo um pouco e estendeu a mão gigante – Meu nome é Belltam, prazer – Disse se apresentando. O guarda era grande e corpulento, tinha um nariz gordo e olhos pequenos demais, além de cheirar a suor – Nós fomos chamados a alguns minutos atrás, na verdade – Ele disse apontando para o corpo caído na viela.

Em aparência não tinha muito a ver com o primeiro, dessa vez era um velho, também do povo comum. Trajava um casaco de couro sujo, um pigente da igreja no pescoço e calças de algodão. No entanto, as circunstâncias eram exatamente as mesmas: O peito aberto, a carne esponjosa e... A água que pingava de si. Dessa vez estava bem mais forte, como se tivesse estado sobre a chuva durante um bom tempo, ao ponto de que um líquido gosmento começou a se formar em certos lugares.

Novamente não havia sinais de batalha visíveis, sem qualquer pelo ou garra presentes.

- Para qual jornal você trabalha? Já viu os outros corpos? – O Guarda perguntou, curioso. Depois ergueu a cabeça – E para quê essa espada aí? – Disse em tom de graça.

Mais uma vez e pendente da igreja e um corpo sem coração, pela aparência e o estado do corpo o crime não ocorreu com muita diferença no tempo, começara a perceber um padrão mas mesmo assim iria ver o terceiro corpo para ter certeza.

- Para qual jornal você trabalha? Já viu os outros corpos? – O Guarda perguntou, curioso. Depois ergueu a cabeça – E para quê essa espada aí? – Disse em tom de graça.

— Jornal local de Luce… — Respondeu Minna enquanto analisava o corpo e escrevia tudo o que percebia em seu bloco. — Jornalista não é meu único meio de renda.

Ela olhou para o guarda e acenou com a cabeça depois de ter terminado de averiguar tudo, escolheu omitir o fato de ter visto um dos outros dois corpos, não queria prolongar a conversa mais do que o necessário.

Agora se dirigiria para o terceiro e último corpo, e caso visse novamente o pendente da igreja da região iria diretamente para lá averiguar as coisas.

Demorou vinte minutos para que chegasse até o próximo local, era bem mais afastado que os outros e em um local bem mais peculiar: Um cano ligado ao esgoto. Localizava-se próxima à antiga muralha que corria envolta da cidade, era um tubo que seguia para os encanamentos da cidade, com vários metros de largura, haviam grades que impediam a passagem para o outro lado anteriormente, mas elas foram arrebentadas e lançadas há uma grande distância dali. O caminho era obviamente repleto de merda e mijo, além de é claro, o cadáver do homem... Ou parte dele. Não haviam pernas ou qualquer sinal da cintura para baixo do homem.

O objeto metálico da igreja reluzia nas mãos do homem, e pelo lado bom ( ou não ) havia uma outra pista: O corpo fora arrastado até ali de dentro do esgoto, e deixou um rastro de merda por onde passou.

STATUS: -5 de gold pelo bloco de notas e caneta.

Minna olhou para o buraco onde o corpo se encontrava e por uns instantes pensou em se esgueirar por ali, mas em sua imagem mental viu que sua espada provavelmente causaria problemas de locomoção, e se o inimigo tivesse ali, ele provavelmente comeria a cara dela fora, e também tinha o pequeno detalhe do lugar estar todo cagado, ela poderia ser um robo agora, mas se recusava a se sujar de bosta.

Então como imaginava eram todos religiosos, ou pelo menos pareciam ser. Passou pela cabeça dela também que poderia ser um membro da igreja matando as pessoas de coração impuro e deixando o broche com o corpo para que deus os guiasse para o paraiso… Mas isso seria especifico de mais.

As pistas não a levavam a lugar algum, então resolveu ir até a igreja mais próxima checar se algo estranho estava acontecendo por lá.

A igreja localizava-se no centro da cidade, mais especificamente em uma praça que interligava os bairros. Não teve muito trabalho para chegar ali, e o confronto social imediatamente tornou-se visível: Uma construção bela e bem cuidada cercada por pedintes e mendigos morando ao redor, pois não tinham lugar melhor para ir. Alguns até mesmo ergueram as mãos na direção de Minna, esperando que ganhassem algumas moedas.

O prédio em si era uma construção mediana com arquitetura gótica, repleta de gárgulas coroando as torres, algo no mínimo sinistro para um lugar que se dizia a casa de deus, ou coisa do tipo. O símbolo da igreja que apareceu nos três cadáveres anteriores reluzia nos portões, moldado em ferro e prata, provavelmente com a ideia de espantar ocultos.

O interior estava praticamente vazio, aparentemente não era dia de reza e apenas uma única mulher encontrava-se sentada nos bancos de dentro, em uma parte mais afastada. Havia no entanto um padre sobre o púlpito, lendo para si mesmo uma passagem de sua bíblia. Ele ergueu os olhos quando Minna entrou mas escolheu simplesmente voltar à sua leitura, deduzindo que fosse apenas mais um de seus crentes.

A igreja tinha duas escadas laterais, uma de cada canto que subiam para cima e para baixo, alcançando até provavelmente uns três andares pra cima, onde encontrava-se o sino.

Minna estava nervosa com as pessoas que a erguiam a mão, não é como se ela não quisesse ajudar, sabia muito bem como era passar por necessidade… Necessidades muito mais sérias do que as que eles passavam, mas não tinha dinheiro o suficiente para oferecer a todos, então não ofereceria nada a ninguém.

Seu coração estava apertado, ela queria completar sua missão, mas não tinha certeza se realmente queria encontrar com o “assassino.” Ela já tinha morrido uma vez, não estava interessada em morrer novamente, mesmo sendo um “robo” sua parte humana ainda estava intacta, ela estava com medo, muito medo. Ria baixinho de nervoso, ela tinha ido até a igreja convicta de falar com alguém e conseguir pistas, mas tudo que conseguiu fazer foi sentar ao lado da mulher que estava lendo e fingir que resava.

O silêncio tomou o local quando ela se sentou, quase que por completo. Era interrompido às vezes, no entanto, pela mulher próxima à Minna, que rezava arduamente por algo. Os murmúrios soavam um pouco altos demais de momentos em momento e a garota pôde entender que a moça ali rezava por seu filho desaparecido. Ela estava meio chorosa e sequer deu importância pra presença de Minna, mesmo depois de tê-la notado ali.

As horas se passaram e o padre que estava no púlpito se retirou para os fundos, e depois de algum tempo o sino da igreja soou, alto o suficiente para que a cidade pudesse escutá-lo, não demorou para que pessoas começassem a aparecer de todos os bairros, vindas para a missa. Espalhavam-se pelos bancos, centenas delas. Homens e mulheres de todas as classes e idades, e algumas poucas crianças também.

Quando a igreja ficou lotada, curiosamente as portas de prata se fecharam atrás deles. O anoitecer estaria se aproximando em algumas horas, mas mesmo assim não era motivo para que uma igreja se fechasse. Um grupo de clérigos surgiu subindo as escadas dos andares inferiores e contornou as paredes, levando incensos consigo e pendurando-os próximos à castiçais, quando terminaram eles se direcionaram às cadeiras atrás do padre que iria conduzir a reza.

- Senhor das Estrelas que encontra-se no céu - O velho recitou, com a voz profunda e alta - Lembrai-vos, ó piíssimo ser, que nunca se ouviu dizer que algum daqueles que têm recorrido à Vossa protecção, implorado a Vossa assistência, e reclamado o Vosso socorro, fosse por Vós desamparado - Ele rezava em alto e bom tom, enquanto isso o povo começava a acompanhá-lo, juntando-se em uma voz unissona - Animado eu, pois, de igual confiança, a Vós, Rei entre todas as luzes, como um servo recorro, de Vós me valho, e gemendo sob o peso dos meus pecados, me prostro a Vossos pés - Pessoas começavam a chorar e algumas até mesmo a cair, afetados pelas palavras de forte poder - Não deesprezeis as minhas súplicas, ó Lorde dos Cosmos, mas dignai-vos de as ouvir propícia e de me alcançar o que Vos rogo. Amém - Finalizou.

Quando o Fez ele começou novamente a reza, e no meio de todas as pessoas as coisas começaram a ficar mais confusas para Minna, era como se estivesse um pouco tonta, como se os símbolos nos vitrais se mexessem diante seus olhos ou como se as paredes tomassem vida e se retorcessem. Os clérigos no palco brilhavam em luzes brancas, mágicas e distantes enquanto as pessoas à sua volta eram luzes negras e vermelhas, pecadores que precisavam ser redimidos.

Quando Minna percebeu que a mulher rezava por um desaparecido, a única coisa que veio a sua mente foi: “Será que ela é a mãe de um dos desaparecidos?” Ela abriu a boca várias vezes para perguntar para a mulher sobre a aparência de seu filho, mas não conseguiu se fazer falar, pensamentos negativos tomaram a mente dela a impedindo: “E se eu for um incomodo? E se ela ficar pior por causa da pergunta? É melhor deixar as pessoas de luto sozinhas mesmo.”

Não demorou muito para que a igreja ficasse cheia, o que a causou um tipo de ataque de ansiedade, começou a tremer quietinha e a sentir seu núcleo disparar. Sentia-se sufocada e julgada. Era impossível alguém a discernir de uma humana normal, mas o medo de ser “descoberta” a faria suar frio, isso no caso, se ainda pudesse.

Era a primeira vez dela em um culto, não sabia muito bem o que fazer, então simplesmente mexeu sua boca quando todo mundo começou a falar e fingiu estar “orando” junto deles. Mesmo que nunca houvesse estado em uma igreja aquilo lhe parecia estranho: Por que trancaram as portas?

Ao longo do discurso do padre as pessoas começaram a parecer em transe… Será que isso é normal? Foi o que ela pensou mas logo, ela também começou a se sentir tonta e as coisas começaram a girar: “Eu preciso sair daqui” foi o que ela pensou.

Sentia-se como se estivesse lá mas não estivesse, era como se a igreja tivesse se transformando. As pessoas se tornando cores, o teto dançando em cores vibrantes, se ainda tivesse estomago vomitaria.

Ela estava preparada, qualquer um que se aproximasse a de forma errada seria tratado como hostil.

A segunda oração desenrolou-se exatamente como a primeira, mas o que quer que fosse que estava fazendo com que ela experimentasse os efeitos de ver as coisas se mexerem e brilharem parecia amplificar a cada segundo em que estava ali, até que o teto da igreja simplesmente desapareceu e deu lugar a um céu estrelado, repleto de belas constelações e poeira cósmica. Diante de uma magnitude infinita uma criatura começou a se projetar no ar: Braços enormes deslocavam-se em todas as direções; provavelmente dez deles e eram simplesmente gigantescos. A criatura era do tamanho de uma montanha e apresentava um aspecto terrível: Sua cabeça era um crânio com centenas de buracos e olhos horrorosos, todos eles observavam Minna cautelosamente. O medo agarrou o coração da garota como nunca antes e a paralisou.

Monstro:

Os instantes seguintes foram melhores, a escuridão tomou conta de sua visão e audição e repentinamente ela desmaiou, as últimas frases que escultou foram " Leve os enfraquecidos, eles alcançaram a verdadeira grandeza e servirão a um propósito maior agora " Quando acordou novamente estava em um lugar sem muita luz. Sentia uma leve pontada de dor de cabeça mas todo o resto de si estava em perfeita condição, mal encostaram nela senão para movê-la.

O fedor que já tinha se acostumado retornou, estava em um esgoto, obviamente. Do lado esquerdo o caminho era repleto de sangue e rastros de batalha, enquanto no segundo caminho, à direita, não havia qualquer alteração.

Tudo começou a girar e então quando Minna voltou a si ela viu aquilo, nada poderia descrever o sentimento que sentiu se não pavor. Não pode se mover, não pode falar nada simplesmente desmaiou.

Quando acordou percebeu que estava no esgoto, estranho, alguém a moveu da igreja mas não a desarmou… Será que aquilo era algum tipo de “teste” para entrar numa seita? A garota estava confusa, temia ter ido longe de mais em sua investigação… Afinal se o grupo tinha o poder para causar tão poderosas alucinações até mesmo em um golém cibernetico, porque não teriam o poder para fazer lavagem cerebral?

Não gostaria de fazer coisas que era contra, e servir um deus monstro certamente era uma delas. Já tinha ido longe de mais para tentar voltar agora, a única coisa que restava a fazer era resolver aquilo tudo, ou pelo menos descobrir informações importantes. Com esse pensamento em cabeça resolveu seguir a trilha de sangue que encontrara em sua direita, empunhando sua montante preparada para enfrentar qualquer inimigo, ou partir um inocente ao meio no susto.

A trilha de sangue seguia por dentro do esgoto se mostrando presente no chão e nas paredes, e dessa vez Minna podia distinguir com toda certeza de que ele era recente. Passou por duas bifurcações ao longo do caminho, mas não teve problemas em descobrir qual era o caminho que devia seguir, uma vez que o sangue indicava. Manteve-se sempre usando a "calçada" do esgoto, que contornava o rio de sujeira.

Tinha sorte de ter a luz do entardecer ainda, ela escorria pelas grades do teto que davam na rua e permitiam que ela visualizasse tudo muito bem, não sabia com quanto tempo disso ainda poderia contar mas tinha que aproveitar bem. Soube que estava próxima de algo quando começou a ver tochas acesas e caixas deixadas pelo caminho. Minna teve tempo de silenciosamente se posicionar atrás de uma delas e ver o que estava acontecendo.

O homem que deixou o sangue escorrer estava deitado sobre um altar, disposto no fim da sala onde eles se encontravam. Ele estava amordaçado pela boca, braços e pés ao ponto de que não conseguia se mover ou falar qualquer coisa. Três outros, aparentemente clérigos, juntavam-se ao redor do homem com facas e objetos cortantes.

- Tudo pronto para o início da coleita? - Um deles quis saber. O outro sinalizou com a cabeça que sim e o homem preso na mesa começou a chorar.

Minna notou também que haviam outros cadáveres jogados de lado, todos sem coração. Haviam alguns objetos metálicos em cima da caixa a qual estava escondida e no fim da sala haviam escadas que desciam.

Então era isso que estava acontecendo, ao contrário do que imaginara, não era um oculto louco devorador de corações que estava atacando os membros de uma certa religião, mas sim os membros da religião que estavam atacando a si mesmos. Não tinha muito tempo para pensar, cada segundo de atraso era uma chance a menos de salvar a vida do homem no altar.

Mas eles estavam em três… Não poderia ser descuidada. Levantou sua espada em horizontal na altura de seu abdômen (claramente utilizando suas duas mãos) de forma que ela não tocasse no chão e andou sorrateiramente até o próximo pilar esperando que não fosse notada. Planejava dali se esgueirar pelo canto mais próximo da parede e acertar o tronco do homem mais a direita com toda sua força e então tentar cortar o mais a esquerda ao meio, dois golpes, duas mortes, esse era o plano. Mas caso falhasse e fosse vista, simplesmente correria e atacaria com tudo o mais próximo.

O primeiro homem se desfez como manteiga. Nenhum deles teve tempo de reagir ao ataque surpresa, mesmo que o terceiro homem tivesse gritado e apontado, era tarde demais e a espada de Minna já havia dilacerado-o no meio, lançando esguichos de sangue para todo o lado e pintando Minna e suas roupas de vermelho puro. O segundo homem tinha uma tesoura em mãos, que não tinha o alcance suficiente pra sequer chegar perto da golem.

Novamente a espada se enterrou nas costelas do inimigo, mais sangue disparou. O impacto da arma contra os músculos do clérigo fez os ossos da garota tremerem, ao mesmo tempo que ela notava a íris do homem se tornar vazia, com uma expressão de terror enquanto falecia instantaneamente.

O terceiro homem por algum motivo resolveu pegar uma caixa atrás de si e lançar contra Minna com todas a suas forças. Ela não teve tempo para responder pois ainda estava empenhando-se em desprender a arma do corpo do segundo padre. A caixa estourou óleo nela e fez ela se desequilibrar e tropeçar para trás, soltando a espada enquanto caia. O homem então sacou a faca e foi na direção dela, balançando a arma.

O cheiro de sangue fazia o estomago da garota se embrulhar, vísceras e pedaços de músculo caiam ao chão com cada movimento de sua espada, acertar ossos e musculos era como acertar um bloco de madeira, quando terminasse o que veio fazer ali, provavelmente contemplaria e refletiria sobre a força que ganhou com suas partes robóticas. Ela quase riu ao ver o homem desesperado jogar uma caixa nela, mas quando percebeu que sua espada estava presa na carne de um dos homens ela começou a levar aquilo mais a séria. Foi acertada em cheio e a caixa estranhamente se quebrou revelando ter óleo dentro… Quem guarda óleo dentro de uma caixa? No desespero tentou puxar sua espada com um pouco mais de força, o que a fez cair e acabar por larga-lá. O ultimo dos agressores corria em sua direção, ou ela levantava ou pegava sua arma, e a escolha que fez foi pegar sua arma e tentar golpeá-lo de maneira ascendente, visando no mínimo fazê-lo se afastar.

O desespero de pegar a arma e trazê-la para cima sem antes levantar do chão podia ter afetado a precisão de Minna drasticamente, mas ela tinha a sorte consigo. A espada acertou-o em cheio, lançando-o para trás e desmaiando-o com sucesso. O joelho de Minna estava ensopado de sangue enquanto ela se erguia, pisando nas poças vermelhas abaixo de si. Os três haviam sido dilacerados brutalmente e sem muito esforço.

Pode enfim respirar e começar a soltar o crente. Ele pareceu aliviado por poucos instantes, até a expressão voltar a ser horror e a guerreira se virar para ver o que estava acontecendo.

Os cadáveres envolta de Minna começaram a se retorcer, os ferimentos se fecharam em uma espécie de bolha gosmenta, a pele perdeu totalmente a cor e em questão de instantes os cabelos caíram da cabeça, deixando-os irreconhecíveis. Os braços e dedos se estenderam de forma anormal, mas toda a deformação apenas acabou quando uma dúzia de tentáculos irromperam da boca das criaturas para fora, se movendo como se possuíssem consciência própria. Os ocultos se levantaram e dessa vez estavam cercando a garota, um deles sozinho disparou na direção dela com os tentáculos prontos para se grudarem no rosto de sua vítima, enquanto os outros dois aguardavam o momento certo para dar o bote.

Oculto:

Eu não tive tempo nem pra sentir nojo, muito menos para deixar meu “sangue” esfriar… Isso é se eu ainda tiver sangue. Os corpos que deviam estar mortos começaram a se transformar bem na minha frente, não acho que eles eram ocultos, não acho nem mesmo que tinham a capacidade de pensar, afinal, eles não tinham um rosto, algo sem cara não tem como pensar, não é?

Me certifiquei de segurar firmemente minha arma, não queria perdê-la novamente, já que alguma coisa dentro de mim me dizia que não seria tão fácil assim matar eles novamente. Olhei para o homem que havia acabado de salvar, esperando que ele fizesse algo… Mas o coitado estava desesperado, eu também estava, mas não podia vacilar, lembrei do que me foi ensinado em meu treinamento de combate, esperar o momento certo e nunca fechar os olhos.

Quando o monstro estava perto o suficiente, levantei minha espada e com toda força tentei parti-lo ao meio, ou, pelo menos, abrir aquela cabeça bizarra dele bem no centro, aqueles tentáculos nojentos que saem da “boca” do monstro me dão uma sensação de mal estar, pareciam ter vida própria pelo jeito que balançavam, então se livrar da cabeça é o que eu vou fazer.

A sensação de medo e tensão agarravam os sentimentos da jovem Minna enquanto ela lutava contra as criaturas. A espada pesada caiu sobre a criatura que não tinha qualquer outra intenção a não ser seguir reto e atacar, graças a isso foi fácil encaixar o golpe certeiro, dessa vez a arma não prendeu no corpo da criatura: muito pelo contrário.

Partiu-o no meio com certa facilidade, destruindo a cabeça e depois rasgando o oculto em linha reta até a lâmina sair de seu corpo. A sensação era como a de cortar algo gelatinoso, e ao invés de sangue o que saltou na direção dela foi pequenos restos gosmentos, mas ao menos, a criatura estava realmente morta agora.

O segundo monstro saltou contra Minna e agarrou-a como um bebê preso às costas de sua mãe, ela podia sentir a pele molhada da criatura prendendo-a enquanto o terceiro oculto corria em sua direção, com as garras levantadas e há poucos momentos de distância de enfiá-las em seu estômago.